É junto à igreja que o trilho adquire o seu começo, mas os olhos fogem para as alturas, para o cume da serra onde a capela da Senhora do Viso nos desafia as pernas e o alento, convite mudo mas claro ao ânimo do caminhante. Não se trata de nenhum milagre mas antes da vontade do caminhante em percorrer os quilómetros que leva os audazes a pôr as pernas a caminho, olhos postos nas desafiantes alturas, antecipando as magníficas vistas que facilmente se adivinham.
Assim, por entre as casas no início e, por entre a natureza depois, o amontoado gracioso de habitações vai ficando para trás, assinalado na alvura das fachadas e no braço pontiagudo da torre da igreja buscando o céu.
Mesmo antes de chegarmos ao cimo a paisagem revela-se magnífica, com povoações erguendo-se na colina ao lado e o Marão acenando mais acima, imponente na grandiosidade do seu granito cuja idade se perde nos evos. Mas é lá em cima que a respiração se suspende quando o Marão nos olha de frente. O abaulado das suas encostas, as múltiplas franjas esculpidas pela água, pelo vento e pela neve, num penteado magnífico de verde e cinza que no Inverno dá lugar ao branco luminoso, que descendo do cume desfalece no sopé. A partir daqui o trilho começa a descer, mas as surpresas ainda não acabaram. Numa cota inferior, mas mesmo assim muito alta, a capela do S. Pedro oferece uma visão hemisférica. Os montes perdem-se em onduladas linhas sucessivas, hesitantes entre o azul e o cinzento, onde a linearidade dos vinhedos se conjuga com o pontilhado das casas e dos olivais, em ritmos impossíveis, em desenhos de capricho extremo, em variação cromática consoante a estação do ano. Assim, o verde primaveril vai desmaiando em ocres e óxidos, em terras-de-siena e verdes secos, em sépias quentes, em castanhos e negros sedutores, que enfeitiçam o olhar dos fotógrafos e todas as almas sensíveis à beleza conjugada do espontâneo com o pensado.
O final do trilho faz-se quase todo na natureza, por entre o arvoredo que ladeia o caminho de terra, na protecção das folhas das avelaneiras e dos castanheiros, dos pinheiros e dos carvalhos, dos sabugueiros de doces bagas e aromático ramalhete florido. Mais rente ao solo abunda a miosótis, as campainhas e muitas outras belezas da flora natural. No ponto mais baixo, junto à estrada, as hortas férteis parecem ter caído das alturas, deslizando pelas encostas íngremes onde as vinhas desafiam a gravidade. O sentimento profundo com que se finaliza este percurso é de gratidão por existir um lugar como este.
Local: Santa Marta de Penaguião